
A
morte
HOJE

MEMÓRIAS
PÓSTUMAS
de carlos
“Morrer se tornou algo difícil. Sim, é isso mesmo. Será que um morto não pode viver em paz? Cá estou, morto"
andré varella
ivens zanetti
utro dia estava conversando com um amigo aqui no paraíso, o Michael. Ele me contou que morreu há alguns anos, mas que até hoje ainda lançam suas músicas. Perguntei como isso era possível. Ele me disse, então, que a tecnologia de hoje permite que a produtora com que
O
ele trabalhava use a sua voz e 'monte’ novas músicas.
Doidera, né?
Michael é um cara legal, mas às vezes acho ele meio estranho. Fica falando que era muito famoso na Terra, diz ser cantor de ‘pop’. Eu nunca fui chegado nessas músicas atuais, sabe? Sou mais do estilo sertanejo raiz. Depois preciso lembrar o sobrenome dele, para encontrá-lo na lista, acho que era Jackson ou Jason, sei lá. Não importa.
O que é importante na história que vou contar é o porquê concordo com Michael. A tecnologia acabou com a morte.
No dia do meu aniversário me deixaram voltar à Terra. Já fazia um mês desde que havia morrido - como e por que não interessa - e resolvi ver como estava minha querida e amada esposa, Joana. Ela parecia muito abatida, afinal, eu completaria 67 anos naquele dia.


Enfim, subi até o quarto e me deparei com a minha única filha, Alice. Ela estava na cama, deitada. Percebi que havia chorado mais cedo. Vi lenços por toda a cama! Alice estava ao celular falando com alguém que não sei quem é. Uma voz masculina.
Estranho... até onde sei ela não tinha namorado. A ouvi, então, dizer um nome: Matheus. Fui até o computador dela, sentei à mesa e pesquisei o nome do dito cujo em seu Facebook.
Achei! Até parece bom rapaz... mas confesso que, mesmo morto, ainda sinto ciúmes. Enquanto olhava o perfil dele, aproveitei para ver o que minha filha andava fazendo desde que parti.
Ela havia postado uma foto comigo, mais cedo, e me marcou. Quando estava vivo já não gostava e mal entendia essas tais redes sociais. Entrei no meu perfil… Boom! Diversas mensagens de feliz aniversário. Mas o estranho é que, ao invés do meu nome, estava “Em memória de Carlos”. Não entendi nada, por que eu ainda estava lá? Quem era esse pessoal me desejando feliz aniversário?
Tinha gente lá, com quem nunca troquei mais de duas palavras! Olha lá a Sheila do trabalho, ela me odiava! Gente, ela postou uma declaração - pensei dando risada. Logo notei que a intenção era fazer uma homenagem para mim. Mas que esquisito, eu nem usava esse Facebook! Enfim, além dos parabéns, alguém continuou postando fotos minhas. Vai entender.
De volta ao Paraíso, fiquei pensando em como tudo antigamente era mais fácil. Não posso nem morrer direito!
Bom, se é o único jeito de lembrarem que existi, que assim seja. Por um lado o Michael estava certo, é legal ver o quanto você era querido - mesmo por aqueles que você nem conhecia. Aposto que tinha muita gente que não gostava dele também. O cara só sabe dançar e cantar o dia todo. Quem aguenta isso?"

foto: arquivo pessoal
Fernando Freitas, psicólogo e integrante ativo da página PGM no Facebook
“Hoje em dia, as pessoas precisam
de algo mais
palpável para lembrar dos entes queridos”

Tecnologia e a morte
A história de Carlos certamente é fictícia, mas fala sobre algo presente na sociedade moderna: a maneira de lidar com a morte mudou.
Tida como a única certeza da vida, a morte, por um bom tempo, se tornou assunto ‘proibido’. Algo que não devia ser discutido.
Foi o que os integrantes do grupo PGM (Profile de Gente Morte) no Facebook, notaram. Muitos deles afirmam que os assuntos tratados nos posts são uma forma de prestar suas homenagens aos que partiram.
Você sabe o que é Contato Herdeiro? Ele é um mecanismo que o Facebook criou para designar uma pessoa que cuidará do seu perfil, caso você parta dessa para uma melhor (ou não). Essa pessoa pode transformar a sua conta em um ‘Memorial’, no qual ela pode adicionar fotos, postar mensagens, curtir coisas e até adicionar novos amigos. Sim, tudo isso mesmo depois do seu falecimento.
De acordo com a psicóloga Érika Motoyama, dizer que a morte ainda é um tabu é algo complicado. O grande problema, segundo a especialista, é que apesar de inevitável, ninguém te ensina a lidar com uma certeza absoluta.
Érika diz que a morte desperta três medos: como ela acontecerá, quanta dor sentiremos ao partir e o que vem depois. Aparentemente, as redes sociais criaram uma nova alternativa para a vida 'pós-morte’: uma vida digital, cheia de amigos e lembranças que nunca morrem - pelo menos na Internet!
A tecnologia mudou o modo como vemos e enfrentamos a morte. Perfis memoriais e páginas como o PGM estão aí para provar isso. Morrer realmente se tornou mais difícil.

Se algum familiar ou amigo falecer, transforme o perfil do Facebook dele em um memorial. Clique ao lado para saber como fazer a solicitação, de acordo com passo a passo.
Michael Jackson foi eleito pela revista Forbes "o morto mais rentável de 2016". O amigo de Carlos rendeu cerca de US$ 825 milhões apenas no último ano e lançou dois discos após a morte.
O jogo para celular 'Dark Stories' junta desafio, diversão e... morte! Com mistérios que vão despertar o Sherlock Holmes que há em você. Clique no botão ao lado para fazer o download.
QUAL SÍMBOLO
MORTE?
REPRESENTA A
‘Memória em Branco’
é um documentário sobre
GHOST BIKES

Os cemitérios vão acabar

OS CEMITÉRIOS VÃO ACABAR
em breve?
QR CODES, FUNERAIS ONLINE E Mausoléus FUTURISTAS SãO APENAS O início de uma ficção que começa a se tornar realidade
danielly pereira
gabriel mendes
ano é 2070. Em São Paulo, alguns velórios são transmitidos em tempo real por streaming no Cemitério da Consolação. Famílias se dividem em pontos diferentes do espaço e, com seus celulares, acompanham a trajetória de vida do ente querido, que deixará saudades.
O
Tudo pela tela do aparelho, sincronizando por QR Code. Tudo por simulação visual.
Além disso, as lápides e tumbas familiares só existem em acervo digital. É possível consultar a história de diversas famílias apenas baixando um aplicativo, que mostra idade, profissão, situação conjugal, causa da morte e até alguns gostos pessoais de cada uma das pessoas, como o gênero favorito de filmes e prato predileto.
Agora, o velório e o luto são realidade apenas via plataforma digital. É possível criar grupos de transmissão online onde as famílias choram a morte dos parentes queridos e comentam memórias ao vivo, cada um de sua respectiva casa, é claro.
Parece mentira, mas não é uma ficção tão distante da realidade. Hoje, em 2017, a falta de espaço nos cemitérios de regiões urbanas é um problema real. E precisa ser resolvido. É isso que prega o professor Renato Cymbalista, da FAU - USP.
Se formos colocar todas as pessoas que morrem na cidade de São Paulo umas ao lado das outras, iríamos precisar de milhões de metros quadrados por ano para enterrar todo mundo.
Renato Cymbalista professor da FAU-USP
Alternativas tecnológicas já fazem parte de uma realidade nem tão distópica e futurística assim – ao menos na China. A falta de espaço levou à criação de novas formas de sepultamento. As ideias vão desde enterros ecológicos, que consistem em jogar as cinzas por locais naturais, até o uso de QR Codes ao invés de lápides.
Já no Japão, um mausoléu futurista com pequenas estátuas de Buda iluminadas em tonalidades de azul substituem o lugar das tradicionais lápides de mármore. Os restos mortais são colocados em um vidro atrás dessas estátuas, que se iluminam com uma cor diferente quando acessados pelos parentes por um cartão de informações sobre o ente querido.
E se propusessem a você transformar os corpos em fonte luminosa? Sim, fonte luminosa.
Nos Estados Unidos é desenvolvido, atualmente, um estudo pela Universidade de Columbia, que leva essa questão para um caminho diferente no chamado o DeathLab (Centro de Estudos sobre Mortalidade). Na proposta, capitaneada pela professora Karla Rothstein, o corpo é utilizado como fonte luminosa durante o tempo em que estiver na fase de decomposição. Quando o processo é concluído, o corpo em questão é substituído por um novo, criando um movimento cíclico.
Para onde vai essa energia? Talvez para iluminar a casa de praia dos seus tios ou até mesmo a rua de sua casa.
Solução prática, sustentável e atraente. Segundo Cymbalista, essa possibilidade cria uma visão interessante de um futuro não tão distante para lidar com a morte.


Cemitério futurista no Japão tem estante de estátuas luminosas para representar os que já se foram
foto: Emiko Jozuka/Vice Motherboard
FICÇÃO
Todas essas mudanças tecnológicas em relação ao caminho para encarar a morte parecem fascinantes, apesar de assustadoras. Parecem ter saído de um filme de ficção. Na medida em que a ciência se desenvolve, nos vemos cada dia mais próximos de um futuro distópico, aquele que estamos acostumados a ver nos filmes.
O que, inicialmente, aparenta ser um conjunto de soluções visionárias para as cidades que constantemente crescem e necessitam de espaço. Pensar nessas alternativas inovadoras de sepultamento e transformação da área em que caixões seriam enterrados, para torná-los num local compacto e high-tech, seriam formas de tratar a questão.
Mas já pensou como seria assistir velórios transmitidos via internet e substituir o contato pessoal por mensagens de condolências em redes sociais? Parece tão distante assim?
Essa utilização da tecnologia pode nos levar para um caminho que nos tornará (mais) insensíveis ao lidar com a morte, pelo menos segundo o professor José Bizon, Coordenador do curso de Teologia da PUC de São Paulo.

“A questão da tecnologia hoje, não só em relação ao luto mas na questão de relacionamentos, está distanciando as pessoas, tornando-as mais frias”, define Bizon. “O fato de não sabermos usar os recursos disponíveis, assim como já têm impacto atualmente, vai influenciar nesses aspectos futuramente.”
Como imaginar um futuro sem cemitérios numa cidade como São Paulo, que atualmente conta com 1 crematório, 22 cemitérios municipais - sendo o da Vila Formosa o segundo maior do mundo com 763.000 m², com mais de 1,5 milhão de enterros ao ano - e 19 particulares?
O simbolismo que estes locais têm para as pessoas esbarra em questões importantes, como os ritos e a religião. Por isso, extinguir essa forma tradicional de lidar com a morte seria desconsiderar que culturalmente privilegiamos o sepultamento na nossa sociedade. Sugerir outro método mais ecológico como a cremação é uma solução viável e até com uma diferença mínima de preço em relação ao enterro. Mas nem todas as crenças permitem esse método de dizer o último adeus ao ente querido.
“A questão é complexa”, pondera Cymbalista. É o que dificulta haver uma solução meramente técnica para o assunto. “Em alguns casos entramos no âmbito religioso. Para os judeus por exemplo, é proibida a cremação e a exumação, inclusive de artefatos religiosos - como uma bíblia que é danificada, que não precisa ser sepultada também.”
Pensar em todos esses aspectos que rondam a morte e em soluções para os problemas que estamos enfrentando, por viver em uma cidade que só cresce, é importante. Não podemos desconsiderar o número de mortos também tende a crescer. É inevitável. Seja por velhice, mortes acidentais ou qualquer outro motivo.

No Japão, budas iluminados com LED são uma alternativa tecnológica de sepultamento para as pessoas.
foto: Emiko Jozuka/Vice Motherboard
![]() Cemitério da Consolação é a mais antiga necrópole ainda em funcionamento na cidade de São Paulo e uma das principais referências do Brasil na área da arte tumular | ![]() O lugar reúne grandes nomes brasileiros como os escritores Monteiro Lobato e Mário de Andrade, além da pintora Tarsila do Amaral | ![]() Flores são levadas aos cemitérios desde a Grécia Antiga e representam o círculo da vida eterna | ![]() Alguns túmulos, que pertencem a famílias, unem diversas gerações da mesma árvore genealógica |
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![]() Espalhados pelo mundo, alguns cemitérios se tornaram atrações turísticas e recebem visitantes de diferentes países | ![]() Cada flor em uma coroa de flores tem um significado específico | ![]() Além das flores, mensagens são outra forma de homenagear o ente querido e até mesmo deixar uma mensagem poética sobre o fim da vida | ![]() Algumas famílias optam por não pagarem pela restauração de obras e fotos dos túmulos |
![]() Simbologia e religiões são figuras presentes na representação do adeus | ![]() Trabalhos de diversos artistas transformam o Cemitério da Consolação em museu a céu aberto | ![]() Construções mais elaboradas lembram até mesmo catedrais de igrejas famosas, marcos da arquitetura |
Até que a ciência não desenvolva uma tecnologia que nos torne invencíveis à finitude (o que seria um outro problema, se formos parar para analisar um planeta superlotado), lidar com a morte em diversos períodos históricos será recorrente, e devemos tratar isso com normalidade e, segundo Bizon, não temer a sua chegada.
“Digo sempre para as pessoas, em missas fúnebres e de sétimo dia: Não precisamos ter medo da morte, mas estarmos prontos para quando formos ao encontro dela, ou quando ela nos encontrar.” O teólogo termina com um conselho: “Pedindo ou não para ela vir, ela virá. Então peça para que venha digna, com alguém ao seu lado e que seu luto seja vivido com respeito.”
Morrer faz parte da vida. É um ciclo. E pensar nas renovações que esse ciclo nos traz - e a forma como encaramos essa questão - é evoluir nossas incertezas sobre o que o fim nos diz. Cabe a nós tornar tão natural quanto o nascimento e a vida, o olhar que temos sobre a morte.
Embora seja a única certeza que temos, quase ninguém se programa para o fim da vida em relação aos custos com enterro - ou seja, qual for o fim que se queira dar ao corpo morto.
Trabalhar com a morte ainda é tabu. Entretanto, poucos mercados possuem uma demanda tão lucrativa quanto o funerário.
O setor movimenta cerca de R$ 7 bilhões por ano, com crescimento médio anual de 8%, driblando com maestria a crise econômica.
Confira mais detalhes a seguir na série de reportagens "O Preço da Morte"!
Para
entender
esse
que é morrer

Na minha família inteira, desde avós, só o meu pai mesmo que até hoje foi cremado. Todo mundo foi enterrado. Ele sempre falava que queria ser cremado e que as cinzas fossem jogadas em Ubatuba que basicamente foi onde ele passou a infância dele.
Lilian Cristina Klein
Estudante

Num momento desses, por mais certeza que a gente tenha, você fica muito fragilizado. Ter uma organização e pessoas que estejam à frente, lidando com todos os pormenores, permite que a família vivencie o luto de uma forma muito mais apropriada.
Andrea Nakane
Empresária

Se você não encerrar, você não vai continuar lá. É diferente dos registros obrigatórios da morte. Nós queremos dar uma opção para facilitar a vida da pessoa, para que ela tenha menos dor, lide com isso com menos dor.
Jô Furlan
Fundador do site Morte Digital

A gente tem as cinzas até hoje, é tipo um enfeite. Você olha e sempre lembra. Porque eu acho um absurdo você por uma cachorra que eu tinha muito carinho misturada com um monte de resto de lixo.
Giovanna Marcolini
Química

A primeira vez que eu pus de fato a mão em um corpo, foi o corpo do meu avô! Eu busquei tentar dar o melhor pra ele, mas te confesso que não gostei de sentir meu avô ali, naquela situação. Então, quando é uma pessoa que eu gosto demais, evito contato, preservo meus sentimentos em relação a isso.
Carolina Maluf
Tanatóloga

Eu me lembro muito bem que quando minha mãe faleceu a primeira coisa que eu fiz foi ligar para o plano. Eles foram até o hospital, eles acompanharam minha irmã até ao cartório para fazer o atestado de óbito... Não me preocupei com praticamente nada.
Lucimara Mensoni
Gerente de contas
"negócio"


EUTANÁSIA:
MISERICÓRDIA
OU SUICÍDIO?
Você mataria uma pessoa querida para aliviá-la do sofrimento? Como a ciência e a religião debatem a legalização da “boa morte” na atualidade
julia centini
lívia biazi
REALIDADE
Roberto Freitas
Internado na ala para pacientes em estado terminal, em um dos grandes hospitais de São Paulo, Freitas espera o tempo passar. Mas, quando a dor fica insuportável, me faz um único pedido: a morte.
É preciso deixá-lo partir. Mas ainda assim ele segue imóvel em uma cama, continua sendo espetado por agulhas e manipulado de diferentes maneiras. Seu semblante já não é mais o mesmo, a cor amarelada, a boca coberta por feridas e a constante expressão de dor lhe roubaram toda a vitalidade...
D
esenganado pelos médicos, sabendo que tem câncer por todo o corpo, meu grande amigo, Roberto Freitas, de apenas 53 anos, recebe doses
doses diárias de morfina.
Clarice Pereira
nos depois disso, encontro com uma gentil senhora, nos corredores do movimentado hospital. É a dona Clarice Pereira, 67 anos, que
A
vai em direção à ala de quimioterapia.
Acompanhada do filho mais velho, que a empurra na cadeira de rodas, dona Clarice me cumprimenta e, mesmo sem me conhecer, inicia uma conversa. Ela tem câncer no estômago.
(...)Em três meses, dona Clarice enfrentou quatro cirurgias e lutou bravamente contra a morte. Mas na última tentativa, um acidente: uma inflamação no abdômen depois do intestino ter sido perfurado na tentativa da retirada do tumor...

Roberto Freitas e Clarice Pereira são histórias reais, exceto pelo nome dos pacientes. Os dois casos de eutanásia são baseados nas revelações do cirurgião Carlos Alberto de Castro Cotti, de São Paulo, que contou à revista “Vidas em Revista”, ter praticado, desde 1959, a eutanásia em vários pacientes, inclusive algumas involuntárias.
Crime?
É crime! É assim que o Código Penal Brasileiro define a eutanásia. Mas isso não significa que seja uma interpretação unânime. Essa dicotomia pode ser traduzida pelo embate entre ciência e religião. É uma escolha do paciente ou uma forma extrema de terminar a vida?
No Brasil, há diferentes casos conhecidos que envolvem o procedimento da eutanásia publicados na revista “Vidas em Revista”, em 8 de março de 2004. Uma das reportagens retratou a história do auxiliar de enfermagem Edson Izidoro Guimarães, que confessou ter realizado a eutanásia em alguns pacientes no Hospital Salgado Filho, no Rio de Janeiro, em 1999.
Em depoimento, ele afirmou que a intenção era de aliviar o sofrimento dos pacientes, que podiam ser jovens ou velhos. O auxiliar de enfermagem usava injeção de cloreto de potássio ou desligava o equipamento que fornecia oxigênio aos pacientes.
Foram apurados 153 casos deste tipo durante os plantões de Edson, com as mortes ocorrendo entre as duas e as quatro horas da manhã. Destas, quatro foram comprovadas e assumidas pelo auxiliar de enfermagem, que foi julgado e condenado a 76 anos de prisão, em 19 de fevereiro de 2000. A sua pena já foi reduzida duas vezes, primeiro para 69 anos e depois para 31 anos e oito meses. Além disso, havia também o envolvimento de empresas funerárias, que pagavam entre 40 e 60 dólares norte-americanos por cada paciente encaminhado.
A discussão em torno da autonomia do paciente sobre a própria morte, mal começou aqui no Brasil. Não há qualquer tipo de projeto ou lei que coloque o assunto em pauta no Congresso ou na sociedade. Sendo assim, não restam muitas opções para o paciente em estado terminal. A ortotanásia pode ser uma alternativa para quem prefere uma morte natural. Além disso, muitos hospitais já contam com núcleos de cuidados paliativos, que trabalham na aceitação do processo da morte do paciente que não tem perspectivas de cura, de modo a torná-la com menos sofrimento.

Ciência x Religião
O direito de escolha da morte ainda é um tema divergente em diversos países, mas entre a ciência e a religião o embate é ainda maior no Brasil. Confira a posição de cada área sobre a eutanásia, que em português significa "boa morte", a partir da entrevista em áudio com o biomédico da Universidade Federal do Rio Grande do Sul José Roberto Goldim e com o teólogo, filósofo e professor universitário da Universidade Metodista de São Paulo Márcio Divino de Oliveira.

fotos: arquivo pessoal

tecnologia
aliada À
longevidade
aquilo que um dia já foi visto em filmes de ficção chegou ao mundo real e está auxiliando cada vez mais a medicina na prolongação da vida humana
iago martins
Natália florentino
paula gomes
A
os 34 anos, os brasileiros estão apenas 'começando a viver'. Em comparação, em 1900, nessa idade já se vivia no último estágio da vida. Hoje, já alcançamos uma expectativa de 75,5 anos, de acordo com pesquisa do IBGE. Ao longo desse tempo, os avanços tecnológicos têm sido pivô
para as gloriosas 41 e meia primaveras, que ganhamos para aproveitar mais a nossa existência. E o que mudou? Mais do que novos tratamentos, investiu-se em tecnologias de exames e prevenção e BioModelos que simulam cirurgias – antes mesmo de o bisturi entrar em ação.
Nunca visto antes
Os exames laboratoriais que envolvem ressonância magnética, no Brasil, têm permissão da Anvisa para usar uma quantidade de energia referente a 3T (Tesla) - unidade do Sistema Internacional para medidas de indução magnética, mas a Universidade de São Paulo já possui três máquinas que utilizam 7T, capacidade que faz as imagens do corpo serem extremamente superiores às das máquinas já conhecidas em clínicas médicas.


Com o avanço das máquina de ressonância, imagens de exames possuem melhor definição.
foto: paula gomes

Melhor qualidade na imagem gerada
Mas, em que essa superioridade auxilia? A resposta para isso é simples. A máquina possibilita visualizar todas as camadas do corpo, permitindo que nódulos, que não poderiam ser observados, sejam localizados e tratados antes que se tornem maiores e causem problemas à saúde.
Mortos ajudam os vivos
Os exames feitos pela máquina, também ajudam nas pesquisas quando o caso é de necrópsia dos cadáveres. Principalmente na área neurológica, pois auxilia no estudo dos ofícios da biologia molecular moderna de doenças mais recentes que ainda são novidade para a medicina. Combinando o método de imagens de alta qualidade com a retirada de fragmentos post morten, há uma chance de estudar melhor o caso, o que não seria possível em pacientes ainda vivos.
A mínima invasão que a máquina tem no corpo do morto, que não é preciso ser aberto para análise, é outra característica que faz com que as pessoas aceitem melhor este tipo de necrópsia, já que religiões como a judaica não aceitam o procedimento, o que permite que mais casos sejam analisados. Isso também permite definir se o tratamento aplicado ao morto foi correto, minimizando, assim, erros cometidos na medicina.
As áreas de maior eficiência que a máquina permite auxiliar são a neurológica e de doenças respiratórias de terapia intensiva.
Cirurgias mais precisas
Vamos imaginar uma pessoa que sofra de um problema cardíaco e precise passar por uma cirurgia de risco. Como diminuir o tempo do procedimento e as chances de o paciente morrer? Que tal usar um clone sintético da pessoa? Sim, isso já é possível por causa dos BioModelos.
Impressos por máquinas 3D, os BioModelos são feitos perfeitamente na anatomia do paciente, diferente dos implantes disponíveis hoje que, por serem feitos em grande escala, possuem tamanhos e formas definidos.

Com ele, o médico pode realizar a cirurgia antes de abrir o paciente. Isso garante um procedimento cirúrgico decidido especialmente para aquela pessoa, além da moldagem de placas e a escolha de próteses antes da cirurgia. Assim, quando o médico abre o paciente, ele já está preparado para ir direto ao problema, não precisando tomar as decisões apenas no momento.
Os BioModelos podem ser usados para planejar diversos tipos de cirurgia. Atualmente, estão mais presentes em casos neurológicos e cardíacos, apesar disso nada impede que sejam usados para planejar cirurgias ortopédicas, intervenções oncológicas entre outros procedimentos.
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Melhora nos procedimentos
Os BioModelos já ajudaram casos em que, sem o planejamento com eles em mãos, o paciente teria passado por duas cirurgias ao invés de uma, o que aumentaria os riscos de morte. Eles trazem mais segurança, já que diminuem a quantidade de erros médicos ou imprevistos.
A BioArchitects, empresa responsável pela produção deles aqui no Brasil, já fez mais de 300 BioModelos impressos em 3D para procedimentos, desde 2012. O mercado de implantáveis vem crescendo cada vez mais, e há pesquisas na área que estudam a possibilidade de deixar o homem cada vez mais capaz de realizar tarefas que só o corpo biológico não realizaria.

Tratando diabetes de forma indolor
O brasileiro sofre cada vez mais com a diabetes. Já são 16 milhões de pessoas que possuem a doença no país, segundo a OMS. Além dos cuidados necessários com a alimentação, ainda há o processo chato de controle de glicose por meio de injeção. Mas, você sabia que este método já pode ser indolor?
Um sensor e um leitor, chamado FreeStyle® Libre, podem substituir as picadinhas. Do tamanho de uma moeda de R$ 1, o sensor é injetado no braço para captar os níveis de glicose de forma exata. O leitor, ao ser aproximado do corpo da pessoa, mostra o valor obtido, tornando o processo mais fácil de ser executado para aqueles que tem medo de agulha.
Está por vir
Ainda em se tratando de diabetes, nos Estados Unidos, a Universidade de Boston e o Hospital Geral de Massachussets desenvolveram juntos uma forma de aplicar insulina em pacientes com o tipo 1 da doença sem precisar das injeções diariamente.
Isso foi possível com a aplicação de uma agulha dentro da pele, na parte do abdômen, que libera a substância. Chamado “pâncreas biônico”, ele se comunica com o smartphone para controlar o nível de glicose. Quando há a necessidade de aplicação, ele faz com que a agulha injetada libere glucagon e insulina, assim a pessoa não precisa parar suas atividades para cuidar da doença.

você sabia?
Os fãs de Star Wars, Star Trek e interessados em ter uma despedida baseada em filmes de ficção científica podem ter suas cinzas jogadas no espaço. Após o processo de cremação, apenas 7 gramas devem embarcar em um foguete com destino à Lua. Mas o serviço é caro e disponibilizado apenas por uma empresa dos Estados Unidos, a Celetis Memorial Spaceflights. Os valores desse voo pós-morte variam de R$ 1.700 a R$ 23.300.
Ajuda oncológica
O câncer de ovário é o mais difícil de diagnosticar e obter cura. Quando a mulher descobre que possui a doença, 75% das vezes ela já está em estágio avançado. Estudos na área tentam reverter esse número por meio da Quimioterapia “expressa”.
Nos EUA, Canadá e Reino Unido, pesquisadores se uniram e descobriram que, ao focar o tratamento na injeção do medicamento no peritônio (membrana responsável por cobrir órgãos e vísceras abdominais), havia uma possibilidade maior de tratar o câncer em estado avançado. Combinando o novo tratamento com o comum (intravenoso), apenas 23% dos casos ainda tiveram alguma piora no quadro.
juventude
aos
70 anos
DISPOSIçãO NA TERCEIRA IDADE E O DESEJO DE REALIZAR SONHOS: a história de quem descobriu na música e na dança motivos para viver
ana caroline
raquel gamba
Meu canto é o que tenho para dar. Meu canto, minha cantiga, meu sorriso, meu riso.” É como Clara Nunes cantava em Canto das Três Raças. Mas outra mulher gosta de ressaltar os mesmos versos: Eurides Macedo Silva Gordano, ou apenas Eurides Macedo. Baiana, cantora e
dançarina, aos 76 anos não se cansa de cantar e sorrir para a vida: essas são as melhores sensações de viver. Mesmo na terceira idade, se sente como uma jovem de 20 anos, apesar das mudanças do corpo.
Desde pequena, sonhava em ser cantora e ganhava o status de estrela nas festas de criança. Na infância, a brincadeira preferida era entrar nas competições de calouros que ocorria em um parquinho perto da sua casa, em São Paulo. Nada segurava a menina: se estava na roda gigante e o show começava, pedia para descer só para poder cantar, sempre conquistando prêmios e se destacando pela voz.
Corajosa, alegre e sonhadora, como se descobriu há 20 anos, depois da morte do marido. A vontade de cantar era tamanha, que o desejo de soltar a voz vencia até o rígido regime que vivia em casa por causa dos irmãos e do pai. Não raro, fugia escondida dos familiares para comparecer aos testes nas rádios de calouros.

Para dona Eurides, dançar e cantar proporcionam felicidade, saúde e cuidam das dores, que sumiram depois da prática e hoje proporcionam amizades.
“Quem dança ora duas vezes”
Apesar do desejo de ser cantora reconhecida, Eurides casou cedo, aos 16 anos. A esperança era de se libertar de uma vez por todas das regras que era obrigada a seguir. Mas acabou em uma prisão ainda maior. Depois vieram os filhos, os netos… 40 anos se passaram dedicados à família e aos cuidados da casa.
O desejo de cantar, contudo, se manteve vivo. Muitas vezes, a música era o grito de socorro entoado no lar. Enquanto se mantinha ocupada com os afazeres domésticos, Eurides nunca esqueceu a música e não desistiu de continuar com o sonho. O dom era natural: sem perceber a voz saia, trazendo para realidade o desejo de estar em cima do palco.
A artista nunca fez aulas de canto, mas é segura do que faz. Avaliada em um teste pelo maestro Zezinho, músico do Chacrinha e do Silvio Santos, recebeu o veredito: impressionou por ser ritmada e afinada, dividindo a música - principais quesitos para ser uma cantora. Falta alguma coisa? “O resto se aprende na noite e com a experiência.”
E ela sabe do que está falando. Desde que começou a vida boêmia, só no Festival de Paranapiacaba se apresentou 14 vezes. Todo "mês da mulher" fazia um show de abertura para Leci Brandão. Nunca se esquece da primeira vez em que abriu o show da famosa sambista. Lembra que estava com um vestido azul, idealizado por ela mesma, e que foi em direção ao palco, andando no meio do público, soltando a voz. No momento em que a arquibancada reagiu ao início da apresentação com palmas e gritos, Eurides sabia que tinha ganhando todos no local. Em outro show no Sesc, reuniu mais de 15 mil pessoas em época de carnaval.

Eurides se prepara para subir no palco. foto: ana caroline
Apesar de toda a confiança e experiência, até hoje a "Dama do Samba do ABC 2013" sente a adrenalina ao subir no palco e notar a plateia olhando e esperando o primeiro acorde e nota a ser entoada pela voz aguda e grossa, característica da cantora, seja em um samba, MPB ou bossa nova.
Eurides montou a banda Garoa Paulista, que contava com o apoio de um produtor. Mas, depois de 15 anos, desfez o grupo e a parceria com o profissional. A partir daí, começou a trabalhar como freelancer. Com o novo modelo de carreira, Eurides garante estar mais feliz por não ter ligação com ninguém, não precisar seguir normas, tem autonomia para fazer o próprio repertório e, o mais importante, se divertir.
Sem arrependimentos, vive com um sorriso de orelha a orelha. Alguma dúvida? Como seria sua carreira se tivesse recebido apoio desde o início.
Depois da morte do marido, além do canto, Eurides encontrou a dança. Zuke, merengue, salsa, bachata, samba de gafieira, forró, bolero, chachacha, lambada, pagode e tango são os ritmos que ela pratica e afirma que dança com qualquer “brotinho”.
A dança e a música também proporcionaram a oportunidade de viajar. Todos os anos, Eurides participa de cruzeiros dançantes. Nas primeiras vezes em que foi, não descia do navio para conhecer os lugares, preferia ficar cantando, dançando e fazendo as atividades que o cruzeiro oferece. Apesar de não ter vontade de conhecer o exterior, a artista amou a viagem que fez para a Argentina, dançou tango e se sentiu em casa no país dos hermanos.
“Quem dança ora duas vezes”, ressalta Eurides. Para ela, dançar e cantar proporcionam felicidade, saúde e cuidam das dores - que sumiram depois da prática - e hoje proporcionam amizades. O grupo de dança é como uma família, pessoas que se preocupam uma com as outras todos os dias, afirma.

Eurides Macedo é um exemplo para outros. Nada a abate, está sempre pronta a incentivar qualquer um que chega inseguro e pensativo às aulas de dança.
Deixar de viver ou aproveitar a vida não estão nos seus planos. Afinal, ter “idade avançada” não é impeditivo para realizar muitos desejos. Sempre com fé em Deus, o único pedido que faz, é para que Ele lhe proporcione saúde, força e energia para cantar, dançar e estar com os amigos e famílias. “É o que resta para fazer.”